
O medo e os leões
- HP Charles

- 26 de fev. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 12 de jul. de 2024
Talvez nada seja mais destrutivo e impeditivo para a construção de uma vida pródiga e feliz do que o medo. Existem pessoas que passam a vida inteira com medo. Medo do que poderia acontecer. Medo do que não poderia acontecer.
Passaram grande parte de sua existência acordando ansiosas às 2 da manhã, inseguras, desoladas, petrificadas com relação à coisas que jamais aconteceram. Pessoas que por algum motivo foram levadas a crer que a vida é algo absolutamente controlável, e que o desejo da previsibilidade poderia prevenir alguma tragédia ou sofrimento. Mas todos sabemos que tragédias e sofrimentos são inevitáveis na vida.
Você perderá seu pai, sua mãe, amores, trabalhos, ficará doente em algum momento, e a única coisa que você realmente pode controlar é a maneira com que lida ou reage a tais vicissitudes. Você pode reagir eticamente, dignamente, com força de caráter, ou pode se entregar ao medo paralisante, que inevitavelmente te impedirá de seguir e com alguma sorte, ser feliz.
Não, devemos respeitar nossos temores. A linha entre coragem e estupidez é tênue. Suplantar seus medos não é se tornar inconsequente. É entender como e quando sair de alguma imobilidade. De forma apropriada e racional. Isso sim é coragem. Ser "porra louca" é apenas ser "porra louca". Infantilidade, dependência e medo, por vezes se misturam, criando um cimento extremamente perigoso.
No entanto, um dia, muitas vezes por conta justamente dessas perdas e tragédias que acontecem na vida, você acaba por perceber algo surpreendente e irônico, que o medo sempre foi o pior de tudo. Pior do que a própria perda em si. Que o medo sempre foi o pior inimigo.
Por isso, com alguma frequência vemos pessoas que viviam aterrorizadas com aspectos de suas vidas, se tornarem totalmente diferentes ao enfrentarem seus traumas e receios e passarem a ter uma existência totalmente oposta após algo relevante ou assutador ter finalmente ocorrido com elas.
Passaram a dormir quando sempre foram insônes, passaram a se tornar mais sociáveis quando eram absolutamente reclusas, passaram a se alimentar, quando não tinham apetite. E isso aconteceu porque perderam o medo. O medo de viver. O medo de existir. O medo de falar. De se expressar. Porque perderam o medo do mundo.
Em algum momento entenderam que o boicote sempre foi delas mesmas com relação à vida e à prevenção de sua felicidade. Que por medo deixaram de se amar. Pararam de reconhecer suas qualidades, seus desejos, seu valor, e então se entregaram. Muitos deixaram de se cuidar, de acreditarem em si mesmas como pessoas desejáveis, interessantes, e se condenaram a uma mortificação que tornaram inexorável.
Alguns usam a fuga. Bebem. Se viciam em qualquer coisa que lhes diminua o MEDO. Serve qualquer coisa que lhes alivie o contato com a realidade. Às vezes se viciam em outra pessoa para que ela então, lhes calibre a existência e sentido, e passam a viver a vida do outro, porque têm tanto medo da própria. Da solidão, do tempo, do monstro que elas mesmas puseram dentro do armário.
Sim, todos tivemos e teremos medo em algum momento, mas a questão relevante é como reagiremos a esse medo. Vendo uma "crise" como oportunidade ou como um funeral? Por vezes tudo o que se precisava era justamente aquela dor. Aquela dor é que te libertou. Percebem a poesia? Aquela verdade é que te fez olhar mais fundo dentro de si mesmo. Aquela porrada é que te fez compreender que não há maior tragédia do que o não viver, do que o não realizar...tudo porque você teve medo.
O medo sempre foi um mecanismo de defesa. Algo que desenvolvemos biologicamente para sobrevivermos como espécie. Que nos impediu de sermos devorados pelos leões ao construir abrigos e criar armas. Mas houve um momento em que nossa espécie decidiu que era preciso vencer o leão, subjulgá-lo. Controlar o medo. E então houve o real CRESCIMENTO.
O medo, a dependência emocional, a insegurança, a baixa autoestima, normalmente são oriundos de traumas infantis guardados em nossa mente. O enfrentamento dessas "lesões" significa liberdade e vitória. Existem pessoas que jamais quebrarão os padrões de medo e imobilidade que um dia amealharam em suas infâncias, por algum fato negativo. E existem outras que na base da porrada vencerão o mundo e passarão a ter uma existência mais completa e pródiga.
Sim, a vida é assustadora e terrível. Mas ela está lá fora. Se esconder no quarto, em fantasias, em mundos que não existem, em pessoas que não são reais, em álcool, em fumo, em celulares, não a tornará melhor. Talvez, "aparentemente", mais fácil. Mas chega uma hora em que é preciso crescer. Todos precisarão enfrentar o leão em algum momento.
Quando as decisões postergadas, as mudanças necessárias, os medos guardados forem enfrentados, você não acordará mais de madrugada. Não viverá mais automaticamente. Não mudará para agradar a outros, não se sentirá mais prisioneiro de suas miragens.
É porque terá, enfim, enfiado a lança no coração do leão. Aquele mesmo montro que você sempre achou que te devoraria um dia.





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