Casamentos. Por que estão falhando no mundo moderno?
- HP Charles
- 15 de mai. de 2024
- 6 min de leitura
Assunto espinhoso, não? Melhor então seria começar pelos números. Pelo que se tem verificado quase 60% dos casamentos terminarão. Os divórcios sobem substancialmente quando se trata do segundo casamento e aumentam ainda mais no terceiro. 80% dos casamentos serão rompidos por iniciativa das mulheres e a conta aumenta para 90% quando a mulher possui curso superior.
Porém, o número mais relevante no que tange às uniões oficiais, talvez seja o fato de que os estudos pertinentes ao assunto indiquem que apenas entre 5 a 10% dos casamentos seriam realmente “funcionais”. Ou seja, seriam uniões onde os parceiros aduzem viverem felizes nesse tipo de relação. É evidente que face a tais números os casamentos e filhos têm diminuído e os divórcios aumentado assustadoramente. Esses são os FATOS. Mas qual é o por quê?
Não vou entrar aqui em discussões acerca de leis sem isonomia, sobre a insegurança jurídica que os tribunais modernos trazem para o homem na questão da separação, o tsunami de denúncias falsas que acomete as delegacias e tribunais, ou pontos como hipergamia e movimentos como MGTOW, RedPill e afins. Isso contribui mas merece uma discussão separada. O ponto aqui é entender porque os casamentos constituídos parecem fazer cada vez menos sentido na sociedade atual e as perdas patrimoniais geradas de forma desproporcional ou injusta para um lado representam apenas uma parte dessa equação.
Se formos pensar bem, o mundo e as relações mudaram completamente, mas basicamente ainda temos os mesmos modelos de enlaces. Ou ficamos solteiros, ou temos relações casuais, ou casamos. Existem pequenas variações monogâmicas do casamento, mas será que são realmente monogâmicas? Mesmo quando se cuida de casamentos a ocorrência de traição varia entre 40 a 60%. Então talvez apenas esses modelos de relações já não bastem em 2024.
O quadro é ainda mais preocupante no mundo dos solteiros. Em recente pesquisa feita pelo Pew Research Center, 63% dos homens héteros afirmou não ter interesse em participar entrar em qualquer relação, ou seja 2/3 dos homens. Já 34% das mulheres (1/3) abaixo dos 30 se descreveu como “permanentemente solteira”. As coisas não mudam muito na comunidade LGBT+, onde 62% dos homens e 37% das mulheres, respectivamente, se autodesignaram, solteiros. 20% da geração Z se identificou como “queer”. A mesma situação se repete em países como China, Índia, Japão, Coreia do Sul e até mesmo no Reino Unido e Rússia.
Quando nos casamos esperamos muitas coisas de apenas uma pessoa e provavelmente ela não tenha tudo para nos dar. O espectro pode variar desde comprometimento legal e religioso até coabitação, divisão das tarefas relativas à paternidade, e ser o melhor amigo e um amante dedicado. Outros quererão um pai, uma mãe, um terapeuta, uma empregada, um motorista, uma cozinheira. É realmente muito difícil entregar tudo isso por muitos anos, não acham? A insatisfação se torna quase inevitável na medida em que há uma natural queda da atração e da vida sexual com o passar dos anos.
Nossos avós raramente se separavam, mas a estrutura da sociedade era muito diferente. Havia os votos e eles eram cumpridos não importa o que ocorresse. O casamento atualmente parece ser uma coisa diferente e os números mostram que realmente é. Me parece que seria justo criarmos um novo nome para como ele é experimentado hoje porque a instituição anteriormente existente parece em vias de extinção. O nome é o mesmo, mas não o significado.
A facilidade de rompimento parece que ainda será ampliada no novo Código Civil (há projeto para isso), o que diminuirá ainda mais o sentido do casamento nos moldes tradicionais. Os mais jovens já entenderam isso e parecem cada vez mais dispostos a abandonar a fórmula milenar de união. Boa parte deles nem cogita mais coabitação. Por motivos patrimoniais e financeiros ou por simplesmente entenderem que não cabe mais ninguém em seu cotidiano. Afirmam serem mais felizes em suas solitudes, com seus amigos, trabalho, academia, videogame, seja o que for. O consumo de pornografia consome quase 50% do tráfego de toda a internet, e as mulheres, que sempre tiveram resistência a ela, começam a consumi-la também em sua forma visual (tradicionalmente mulheres preferem a linguagem escrita no quesito sexual). Há quase uma entrega conformada ao autoerotismo, às ilusões e a uma visão solipsista do mundo. Qual é o peso das redes sociais nesse cenário?
O fato é que os números são implacáveis e indicativos claros de que novas formas de relacionamentos são necessárias. É claro, sempre teremos pessoas afetas ao tradicional, ainda apegadas à ideia difundida por Hollywood de que existiriam relações perfeitas, da união pelo “destino”, da “alma gêmea”. Mas a vida não tem mais comportado as idealizações. Aliás, nunca as comportou. Antes o problema era diluído com garotas de programa e amantes, mas agora a maioria parece pegar o atalho e ver o casamento sempre com uma data de validade. Claro que, em sendo assim, ele perde o sentido e propósito.
Me parece que o ponto nodal é realmente a dificuldade em se desempenhar inúmeros papéis de forma indefinida. Se 60% se divorciam e apenas 10% são felizes, 30% estariam mantendo casamentos miseráveis ou no automático por questões relativas a filho, dinheiro, conforto, ou sabe-se lá o que mais. É a tal da viuvez de quem ainda não morreu, relato cada vez mais frequente. Há, por exemplo, um número muito alto de relatos, de casamentos onde a vida sexual desapareceu faz ANOS.
Apesar de velhice e a solidão serem temores cada vez mais comuns no mundo hodierno, eles parecem não serem maiores do que a vontade de se sentir em paz e do que as facilidades ofertadas diariamente pelos contatos e relações virtuais. O ser humano é um ente gregário e sociável, nossa história e biologia nos mostra isso e também foi isso que nos trouxe até aqui quando era impossível sobreviver fora de uma tribo. No entanto, a suposta proximidade e a variedade de conexões trazida pelo digital mudou a forma como nos relacionamos. Tudo ficou mais fácil. Mas ficou melhor?
Relacionamentos à distância, sexo à distância, cantadas à distância…amor à distância. As fórmulas mudaram e o casamento nos moldes tradicionais diminui no número de adeptos quando confrontado com a realidade da vida atual e suas imposições. O papel da mulher mudou e o homem vai entendendo isso e mudando também. Se mulheres têm outros objetivos fora do nutrir e cuidar do lar, o homem resiste a seu papel de prover e proteger. As incompatibilidades apareceram e os desejos não são mais tão complementares.
Qual seria o futuro do “casamento”, então? A menos que leis sejam alteradas e haja um retorno brusco ao tradicionalismo (o que não parece que irá ocorrer), a tendência é que o casamento como conhecíamos morra de inanição. As pessoas parecem cansadas de antigas fórmulas, não confiam mais nelas para regerem suas vidas. A ideia de relações uníssonas, simbióticas, dependentes, causa muito mais temor do que atração.
A sociedade ainda padece com mudanças tão rápidas nas relações de afeto, mas apenas ela poderá decidir que caminho tomará. Sem filhos, sem fecundações, teremos o colapso, em algumas décadas, dos sistemas assistenciais e de aposentadoria, como já ocorre na Coreia do Sul e no Japão.
Como será o rosto da nova família moderna com a depreciação do modelo nuclear que nos acompanhou durante séculos? Tais perguntas causam muita preocupação, mas o fato é que ninguém parece querer abdicar de nada e o mundo se entrega frequentemente ao superficial e às relações fluidas.
Todos queremos amar e sermos amados indeterminadamente, sé é que isso é possível. Tal desejo não irá mudar. Mas sempre há um preço por isso. Por vezes ele impende abdicação, renúncia, entrega, e isso se tornou moeda rara em uma sociedade cada vez mais individualista, que parece glorificar o “EU” como a maior das divindades.
O narcisismo se tornou uma ideologia, ultrapassando as fronteiras da psicologia, e sendo assim, há pouco espaço para o outro quando a idealização se finda. E ela sempre se finda. A conta chegou, mas quem vai puxar a carteira para pagar? No momento parece que muito poucos. O fato é que mulheres se tornam cada vez mais misândricas e homens cada vez mais misógenos em uma guerra asinina que leva apenas à exclusão, à infelicidade, à desconfiança, à solidão e ao desamor.
Os números, os relatos, os consultórios, parecem traduzir uma imagem em que o navio está no mar mas não há ninguém ao leme. Talvez isso seja preocupante, porém por outro lado pode ser o sinal de que uma nova terra precise ser descoberta. Enventualmente será. Se encontraremos frutas e terreno fértil é uma outra discussão. É preciso tempo.
Mas como civilização…ainda temos esse tempo? O que podemos esperar das relações afetivas sexuais para o futuro face às bruscas e grandes transformações na sociedade e no mundo? Essa é a grande pergunta que em breve precisaremos responder para continuarmos a existir.
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