Superficialidade e falta de sentido na vida.
- HP Charles
- 12 de mai. de 2024
- 5 min de leitura
O mundo está melhor do que erá há uma ou duas décadas? Sim. Isso me parece cristalino. Existem estudos que confirmam isso. Há menos fome, a expectativa de vida aumentou, há mais remédios, mais facilidades em praticamente todas as áreas sociais. Mas as pessoas estão mais felizes? Não. Por quê?
Seria justo afirmarmos que as pessoas em geral carecem cada vez mais de propósito e sentido em suas vidas? É uma reclamação constante, frequente e crescente. Os estímulos a que somos submetidos se tornaram imediatos e nossos cérebros se acostumaram com isso.
Se queremos comida usamos um app e ela chega em minutos, normalmente altamente calórica e “recompensadora”. 37% do tráfego de internet é pornográfico, consignando mais uma forma de obtenção de dopamina rápida. Redes sociais estimulam a comparação e a inveja, jogando às pessoas em uma realidade que não existe e as fazendo acreditar que suas vidas são insuficientes ou inválidas. As pessoas então se tornaram insatisfeitas e apegadas à superficialidade.
O celular gera um estímulo incessante e pessoas não conseguem deixá-lo de lado nem quando vão ao banheiro. Tudo se tornou EXTERNO. Em que momento olhamos para dentro de nós mesmos? Em que momento lidamos então com questões existenciais que vão se acumulando dentro de nós?
As relações se tornaram líquidas e é cada vez mais raro haver esforço e investimento. Nos aplicativos de encontros se tornou hábito se conversar com várias pessoas ao mesmo tempo. As dm’s de Instagram incentivam o rodízio de parceiros face ao menor problema.
Outro dia assisti estupefato a um vídeo de uma moça de 27 anos dizendo que ela não consegue mais gostar de ninguém porque ao se deparar com o menor desapontamento (quebra da idealização), se desinteressa. Isso é absolutamente assustador e sintomático. Como essa jovem poderá encaram os enormes desafios que ainda enfrentará em sua vida? Tudo terá que ser exatamente como planejou?
Me parece que a superficialidade tem imperado em quase todas as facetas do mundo moderno, ampliada, incentivada e difundida pela tecnologia. Conexões superficiais, conhecimento superficial, objetivos superficiais. Isso gera evidentemente ausência de propósito e por conseguinte, solidão. Claro, na medida em que tudo precisa ser obtido rapidamente ao invés de ser construído, não há espaço para profundidade. Temos muitas paixões e poucos amores.
A superficialidade nos gera uma gama enorme de problemas, pois nos faz normalmente nos relacionar com fantasias, criando portanto desilusões em cima de desilusões. Pessoas engatam enlaces seguidos de enlaces, emprego em cima de emprego, porque isso evita que olhem para dentro de si mesmas a fim de compreender o grande vazio existencial que possuem. É um cobertor curto contra a ansiedade e a depressão.
Quantas pessoas que você conhece que trocam uma maratona de séries (que consomem uma atrás da outra), por um livro? E eu mesmo já fiz isso. Ler dá trabalho, gera introspecção, a formação de ideias e críticas não é algo pronto. A leitura é um hábito e precisa ser desenvolvido com ESFORÇO. O estímulo de uma Netflix vem prontinho. É fácil.
O mundo moderno trouxe facilidades e nossos cérebros se acostumaram a elas. Nos tornamos preguiçosos, imediatistas, rasos. É evidente que a conquista de um propósito de vida se tornaria um problema endêmico em nossa sociedade. O resultado? O número de suicídios no Brasil, por exemplo, segundo a OMS, cresceu 46% entre 2010 e 2019. Suponho que tenha crescido ainda mais após a pandemia.
Pesquisa recente também no Brasil, de 2023, mostra uma diminuição significativa no número de casamentos, no aumento de divórcios, e na queda de nascimentos. Como se pode verificar, a superficialidade atinge a todas as áreas das relações humanas. Parece haver uma enorme dificuldade de comunicação entre as pessoas em que pese a facilidade tecnológica de contato. Irônico e trágico, não?
Nos acostumamos com as ilusões. Queremos acreditar nelas. Acreditar que o sucesso profissional e financeiro se encontra naquele cursinho de 1 mês vendido nas redes sociais. Acreditamos que nossos corpos poderão ficar mais bonitos com chás e atividades físicas mágicas que supostamente trariam resultados em poucas semanas.
As redes sociais nos viciaram e elas criam comparações incessantes e inalcançáveis vez que são feitas com MIRAGENS. Como será realmente a vida fora dos Stories? Já pensaram nisso? Como será a real vida das celebridades e influencers fora do virtual? Ora, se sabemos que sofrem o mesmo que nós, por que fazemos tantas comparações idiotas e sem propósito? Por que desejamos a vida falsa que expõem e não a nossa própria? Quem comanda essa máquina toda? A quem interessa esse ciclo?
A cada dia que passa fica claro que precisamos de conteúdo eivado de profundidade, de conquista através do tempo e do esforço, de conexões profundas e significativas e de menos tempo na frente de uma tela. Isso deve naturalmente nos conduzir a encontrar mais propósito e desejos saudáveis para nossas vidas. O resto todo é consequência.
As fórmulas todos nós sabemos, não é mesmo? Melhor alimentação, exercício físico, lazer, trabalhar com algo que se gosta. É fundamental recobrar o amor por si mesmo. Em diversos momentos da vida nos abandonamos. Vivemos então para atender às expectativas de outros, do parceiro, do patrão, da sociedade. Isso destrói qualquer um porque cria obrigações e expectativas que não coadunam com o que está dentro de nós.
Vivemos atualmente focados em estímulos externos, mas a solução e o caminho para uma vida pródiga e mais plena está totalmente dentro de nós. Em que momento nos daremos conta disso? O mundo melhorou mas estamos mais infelizes. Onde está o ponto de contradição? Pensemos nisso.
Que tal começar aos poucos?
Hoje comece indo ao banheiro e não levando seu celular. Aliás, repare se durante o banho, quando não se pode usar o celular, se você não se torna mais pensativo, mais reflexivo.
Busque um tempo para conversar com alguém. Pode ser qualquer um desde que você dedique 100 % de sua atenção à conversa.
Comece um livro e tente ir até o final. Pode até estabelecer um certo número de páginas. Escolha um que aborde tema que você realmente goste.
Tente fazer uma caminhada, flexões, abdominais, fique cansado.
Quando for dormir tente se concentrar em coisas positivas, desligue o celular, ative memórias boas.
Tudo acima é um começo mas já será difícil se você estiver viciado em estímulos e recompensas imediatas. Esse detox digital no entanto precisa ser iniciado porque a alternativa é uma vida de merda e E SEM PROPÓSITO.
A conexão consigo mesmo é uma conexão com a realidade e acima de tudo com a nossa humanidade. Como seres humanos, precisamos vivenciar, mesmo em um mundo moderno e digital, os sentimentos naturais e intrínsecos de nossa existência. Luto, perda, desilusões, fazem parte da vida e todas essas experiências nos fazem crescer.
O propósito de cada um precisa ser encontrado. Ele não cairá do céu ou será entregue por alguém na internet. O propósito de nossas vidas reside dentro de nós. O que você está realmente fazendo para encontrá-lo? Um passo para a frente impende em deixar algo para trás.
O que VOCÊ está disposto a deixar para trás?
Comments