Um interessantísimo caso real de cura através da psicanálise
- HP Charles
- 20 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
Na medida em caminho para minha formação como psicanalista e me aprofundo nos estudos da matéria, mais fico fascinado como ela funciona e como é capaz de atingir e transformar a mente e a percepção das pessoas acerca da vida e do mundo que nos rodeia.
Já contei antes como a terapia funcionou para mim no sentido de me tornar mais receptivo e capaz de lidar com afetos físicos. Me transformando em alguém muito mais carinhoso e apto a comungar e dividir abraços, beijos e amabilidades.
O caso que passo a apresentar cuida de questão tão interessante e complexa quanto séria. Tudo foi narrado presencialmente e com riqueza de detalhes, o que empresta credibilidade e verossimilhança à história. Divido agora com vocês.
Uma amiga de família certa vez nos confidenciou em uma amena conversa municiada com bolo e café, que sofrera a vida inteira com prisões de ventre terríveis, e que geraram inúmeros dissabores e inconvenientes em sua vida ao longo dos anos. Afirmou que desde muito cedo se prestou a fazer todos os exames existentes e possíveis a fim de sanar o problema e que nada acusaram clinicamente.
Tentou dietas das mais variadas, exercícios, tudo o que lhe parecera que pudesse funcionar em um caso desses. Pois bem, por conta de outros motivos pessoais, totalmente desconexos da enfermidade, começou a fazer terapia, mais especificamente psicanálise.
Um dia, em uma sessão aleatória, passou a contar a seu psicanalista sobre sua infância e seu internato em um colégio de freiras, onde viveu todo seu ensino fundamental. Falou de seu cotidiano na escola e de como aquilo influenciou sua vida futura.
Ocorre que, em determinado momento, se recordou dos banheiros e de como as cabines com os vasos sanitários eram construídos em madeira e ferro e com desenhos sacros em suas portas. Lembrou então que quando se sentava para atender suas necessidades fisiológicas, ao se trancar no cubículo, uma enorme imagem de Nossa Senhora se encontrava pintada no lado interior da porta. E assim foi durante anos.
Era uma lembrança que há muito não acessava mas que permaneceu ali, adormecida, durante décadas. Para a sua surpresa, após tal sessão, nunca mais foi acometida das terríveis prisões de ventre. Sumiram como se jamais tivessem existido.
Ao dividir tal imagem com o psicanalista, revivendo tal momento e enfrentando tais memórias, compreendeu o enorme constrangimento e vergonha que sentia tendo que defecar sob às vistas de Nossa Senhora, santa de quem era profundamente devota.
Percebem a beleza, profundidade e eficiência do método? A exposição do presente caso não tem o fulcro de discutir aspectos específicos da psicanálise, mas apenas ilustrar como somos capazes de guardar memórias aparentemente irrelevantes ou inacessíveis e que sem algum estímulo ou condução permaneceriam ali, intactas, cobertas, causando efeitos físicos no presente. Sim, o que passamos em nossa infância e juventude é capaz de moldar e determinar comportamentos e sentimentos que hoje possuímos.
Traumas, neuroses e experiências foram constituídas em algum momento e muitas vezes precisam serem redescobertas e deslidadas a fim de que nos transformemos, melhorando nossa vida, nos tornando mais capazes de ultrapassar os dias com mais leveza e menos ansiedade.
Muito tenho estudado e lido, e não poderia ser mais recompensador em minha idade ter aberto essa porta. O mundo precisa de mais saúde mental, mais afeto, mais entrega. As pessoas, acima de tudo, desejam serem ouvidas em um universo cada vez mais surdo e digital.
A sociedade precisa ser mais humanizada a fim de sobreviver. É absolutamente irônico, em que pese a enorme conectividade hodierna, como a solidão passou a ser a maior reclamação entre as pessoas de todas as idades.
A verdade é que a terapia funciona quando corretamente ministrada. E outra verdade é que todos precisamos dela. Falar pode curar, redimir e transformar.
Mas falar não é o mesmo que ser ouvido. Qual foi a última vez em que realmente ouviram o que você tinha a dizer?
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