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A dicotomia entre medo e desejo.

Existem momentos críticos em nossas vidas em que acabamos por estabelecer uma balança com um prato repleto de desejos e outro prato eivado de medos. E precisamos equilibrá-los a fim de então poder fazer a balança pender para um dos lados.


Essas decisões por vezes se tornam díficeis ou quase impossíveis. É preciso usar a razão mas não é possível deixar de se contabilizar as emoções. Não somos máquinas. Todos queremos sobreviver e que a vida seja a mais feliz possível. Nesse momento, quando temos escolhas difíceis a se fazer, nosso sistema de freios psíquicos entram em ação. Eles nos confundem, nos remetem a experiências passadas e nos imobilizam.


O mundo moderno é muito rápido e implacável. Por vezes somos forçados a tomar decisões fora de nosso tempo e consciência, e isso aumenta muito o risco de erro em relação ao futuro. Mas talvez a pior decisão seja não decidir e viver em um limbo.


Outras vezes já até decidimos inconscientemente, apenas temos receio de assumir a decisão para nós mesmos. Mas um passo precisará ser dado eventualmente. Sempre correremos o risco de errar, mesmo se a escolha aparentemente for a mais "segura". Vemos isso acontecer todos os dias. E o que ocorre então é o plantar de amargura e ressentimento.


Sim, é preciso se restringir a probabilidade da escolha infeliz, mas há limites para aqueles que não são videntes. "Todo mundo, cedo ou tarde, senta-se para um banquete de consequências". E as consequências de não ter atendido a certos desejos também podem ser trágicas.

Mas então como decidir? Me parece que "polindo" tais desejos. Os domando e lidando positivamente com eles. Tendo paciência, os transformando em algo palatável, saboroso, adulto. Se são desejos genuínos, é preciso compreendê-los através do tempo. Desejo quando é somado a impulso costuma cobrar um preço altíssimo.


Por isso que relações construídas com base meramente em química e que se formaram em momentos de crise ou carência costumam fracassar. Por isso projetos baseados em desespero, tendem a naufragar.


Quando o desejo é suprido e amansado com estímulos fruto de planejamento e afeto, tem muito mais possibilidade de serem atendidos positivamente. Quando algo começa certo, há chance de dar certo. Mas quando começa errado...


Ceder à tentações ou resistir a elas? Esse é um dilema existencial que nos acompanhará sempre ao longo de nossas vidas. E temos a tendência de resolver tais equações aplicando sempre uma quantidade grande de emoções e também de medo, que ironia.


O medo é algo que nossos ancestrais nos deram a fim de que sobrevivessemos. Mas mesmo eles sabiam que em algum momento ele precisaria ser vencido. O leão precisaria ser morto. Temos medo de sermos devorados, de sermos machucados, temos medo de sofrer. Mas existe maior dor do que aquela de não ter vivido? Percebem a dicotomia?


Existem vezes em que a vida precisa nos colocar em determinadas encruzilhadas a fim de decidirmos. Quando parece que tudo se tornou inevitável, então nos movemos. E aí é PRECISO se enfrentar o medo. Há pessoas que por sua natureza têm tanto medo que passam a vida inteira em abrigos psiquícos tão fortes que a escolha foi deliberadamente por não viver.


Tenho um amigo de infância que, imobilizado por um grande temor, um temor da própria vida, escolheu jamais se relacionar ou dar qualquer passo fora da rotina que abraçou desde a juventude. Começou como militar de baixa patente e trilhou um caminho solitário mas digno e seguro em seus dias. Nunca teve outro trabalho, nunca namorou, nunca deixou o núcleo de sua família original, nunca fez uma grande viagem, nunca parece ter vivido uma paixão. Com certeza sofreu menos. Mas sofrer não faz parte da existência? Paralisado pelo medo, ele não viveu. Será que um dia se dará conta disso? Apenas ele poderá responder.


No final das contas, em nossos dias finais, entendo que o que será pesado será justamente a quantidade de experiências que tivemos e talvez, mesmo as mais dolorosas, sejam contabilizadas positivamente. Ainda bem jovem eu tive uma relação amorosa cujo o término me deixou destruído, mas hoje, se for pensar, entendo que foi algo que faz parte de minha história e mesmo a dor mais intensa me fez aprender coisas e vivenciar sentimentos que fazem parte da existência humana. A perda de minha mãe é algo que reflete até hoje de forma muito intensa em meu espírito. Mas não consigo imaginar a dor de quem não conviveu e não pode amar a mãe.


Entendem como o medo também pode ser destrutivo? Como ele pode nos condenar ao invés de nos salvar? A disputa entre o desejo e o medo é um jogo que precisa ser jogado com cuidado, mas que te impende a mexer as peças.


Um preço sempre será pago. Mas dependendo de como a aposta seja feita, a recompensa pode ser uma existência mais plena, pródiga e completa. Mesmo as dores e o sofrimento compõem nosso ser e também nos tornaram o que somos hoje. Mais assustador do que qualquer coisa, talvez seja acalentar um sentimento de não realização, de incompletude.


Desejo ou medo? Viver ou não? Erro e acerto. Ficam as perguntas e as conclusões. Mas a questão correta talvez seja deslindada no "porque" do medo e do desejo. O que nos imobiliza e o que nos falta? Como tais desejos foram criados e como nossos medos foram gerados. A partir dessa compreensão, passos serão inevitavelmente dados. A única escolha real é viver, pois a única certeza é morrer.

 
 
 

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