A dinâmica do abuso nos relacionamentos tóxicos.
- HP Charles
- 2 de abr. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 28 de ago. de 2024
Em meu caminho visando a formação na área psicanalítica em nenhum momento tive dúvidas em relação a que estrada seguir. Seja por conta do interesse e necessidade apresentada pelo "mercado" face ao crescimento exponencial dos casos de abusos sofridos por mulheres e POR
HOMENS. Seja por questões pessoais.
Sim, atualmente dados indicam que 50% dos casos de abusos causados por narcisistas e psicopatas sejam causados por mulheres, e isso é um dado recentente que vem se estabelecendo com o tempo, ao contrário do que se imaginava antes. Cumpre lembrar no entanto, que a natureza do abuso se perpetua de forma distinta, prevalecendo a violência no caso de homens e se viabilizando por ardis e ataque reputacionais em casos inferidos por mulheres.
Sendo assim, meu caminho em direção à psicanálise não é ocasional ou despropositado, mesmo porque possuo laços estreitos com a matéria faz mais de década. Passando por anos de terapia, ou através de leitura exaustiva e, à época, descompromissada.
Mas retornemos ao abuso. A maioria das pessoas acredita que o processo de abuso é cotidiano, quando na realidade se perpetua através de manipulação que quase nunca ocorre de forma diária. Para ser mais claro, o abuso se traduz em CONDICIONAMENTO. O abusador te trata muito bem por um ou dois dias e te trata como lixo nos dois dias seguintes.
Frequentemente te isola à fim de diminuir suas defesas psiquícas e cortar qulquer elo com familiares ou amigos que possam chamar a atenção para o condiconamento imposto. "Somos nós contra o mundo". "Ninguém te quer bem além de mim". "Ninguém te amará como eu”. Mas como você poderia saber? Afinal conheceu aquele "príncipe" faz poucos meses, nada sabe sobre ele a não ser o que ele próprio te contou a respeito das "ex malucas" que teve. Ele sempre será herói ou vítima, mas jamais vilão. Guarde isso.
O abusado te mudará. Mudará sua maneira de se vestir, de falar, de se portar. Mudará o seu cabelo, suas unhas, as suas roupas, até o seu vocabulário. Há uma COLONIZAÇÃO (nas palavras de Sam Vaknin) em relação ao abusador. Nesse estágio, mesmo que a vítima não perceba, ela não mais possui autonomia ou identidade, e seu propósito é servir apenas de suprimento ao abusador. Nem todos perceberão. Mas alguns sim.
Tal abuso raramente é físico, mas pode ocorrer, como nos casos do narcisista grandiose que na realidade é um psicopata de segundo grau, segundo literatura clínica mais moderna. O real narcisista é o chamado vulnerável, que apesar de apresentar momentos de grandiosidade, costuma ser depressivo, ser extremamente invejoso, com um distanciamento que por vezes lembra algo como autismo, e episódios frequentes de vitimização e choro.
A fim de deixar ainda mais claro a maneira como o abuso ocorre, vamos recorrer ao exemplo dos ratos que são alimentados ao arranhar a patinha em um recipiente que libera alimentos quando é tocado. Durante dias os ratos fazem isso e obtêm alimento que lhes é entregue ao condicionarem o toque ao mecanismo de liberação de ração. Em determinado momento, o experimento propõe que, apesar do toque no mecanismo, a ração não mais seja entregue. Os ratos não entendem isso e permanecem diariamente a raspar suas patas no mecanismo, mas tudo acontece em vão. No abuso narcisista e psicopático ocorre O MESMO. Há uma confusão da vítima no sistema de recompensa. Há uma distorção da realidade. O que se imagina como sendo amor, na realidade é vício.
A vítima por vezes demora anos, décadas, para entender o que de fato acontece, vez que em sua mente, os meses iniciais de idealização e "love bombing" poderiam retornar se ela, a vítima, se comportasse melhor. Há um enorme processo de culpa e vergonha deflagrado. Mas o ciclo inicial jamais retorna pois os "ciclos de abuso" são inexoráveis e precisam ser encerrados. Idealização, desvalorização e descarte. Sempre será assim. Sempre. Mudam as vítimas, mas não os ciclos. Padrão é uma palavra chave. E eles sempre sempre se repetem
A vítima então permanece em uma masmorra, em um bunker cujo único objetivo é atender às necessidades do abusador. A lhe fornecer "SUPRIMENTO". E ele consiste inexoravelmente em dinheiro, sexo, proteção e validação narcisista ou sádica. Lembrando que todo psicopata é narcisista mas nem todo narcisista é psicopata. Há sempre “grandiosidade”.
Normalmente à vítima acaba por acreditar, por mero desconhecimento, que seu abusador irá mudar, que talvez tal comportamento perverso seja oriundo de uma fase ruim ou de um dia difícil. Mas isso JAMAIS irá acontecer. A vítima então permanece se apegando, tentando contrabalancear, compensar o abuso com mais afeto, mas isso não adianta, e os dias positivos se tornarão mais raros. E a vida se tornará um inferno de uma hora para a outra pelos motivos mais fúteis. Quanto mais afeto ela oferece, mais rejeição e abuso sofrerá.
Tratamento de silêncio, stonewall, acessos de fúria, breadcrumbing, desvalorização, degradação sexual, comentários negativos sobre o peso e a aparecência da parceira/o. Tudo isso visa amealhar mais suprimento (tanto faz se é é positivo ou negativo) e manter o CONTROLE sobre a vítima. Essa é a palavra crucial. Controle.
Nas relações de abuso, tudo é transacional, o falso afeto, a falsa intimidade, o falso carinho. O sexo é meramente uma arma, utilizado quando o abusador deseja algo. Ele pode ser contumaz ou raro dependendo do que se deseja. Normalmente às vítimas, passados os 3 primeiros meses, começam a perceber a automatização e a "teatralidade" sexual dispensada no ato sexual, começando a se dar conta da ausência da intimidade. Intimidade requer vulnerabilidade e o abusador é incapaz de oferecer isso, vez que não ama, apenas finge que ama. Pode até fingir bem, mas tudo sempre será TRANSACIONAL. O abusador busca uma vida melhor, uma empregada, uma serva, uma fonte de renda.
Segundo Sam Vaknin, ele mesmo um narcisista diagnosticado e provavelmente a maior autoridade mundial sobre o assunto, a maior red flag a se evitar no começo de toda relação tóxica, é a VELOCIDADE. Nenhuma pessoa normal diz que ama nos primeiros encontros. Nenhum adulto formado e saudável é convidado a morar junto, a ter filhos, a casar, a mudar de cidade, logo nos primeiros encontros. Segundo Vaknin, se isso ocorrer...FUJA. Algo muito grave ocorrerá em breve.
Em um mundo dominado pela ânsia de conexões, mesmo que tênues e pouco significativas, onde o receio da velhice e da solidão se tornaram endêmicos, abusadores encontraram nas redes sociais uma espécie de "nave mãe" a fim de conduzirem seus desejos e parafilias.
Percebam, e isso precisa ficar claro, se fosse fácil se notar quando uma relação de abuso se estabelece, elas não seriam tão frequentes. Tudo é muito mais escamoteado, normalmente quando a vítima percebe, ela já foi mimetizada, já foi tomada pela mente do abusador. Foi isolada, promessas já foram feitas, já lhe fora aplicado o sex bombing, o love bombing, e no final...TUDO LHE SERÁ TIRADO. Tudo.
O abuso é financeiro, é afetivo, é moral, é familiar, é reputacional. E o pior, diria que mais de 90% das pessoas não faz a menor ideia do que acontece em uma relação abusiva, e isso se dá porque, via de regra, ela ocorre dentro da intimidade do lar.
Em um abuso narcisista, por exemplo, esqueça 95% do que é exposto nas redes sociais. A própria natureza do transtorno e da grandiosidade de sua característica faz com o que é exposto seja uma miragem proposital. Ou seja, uma vida destinada a mostrar o que interessa. Tudo é absolutamente pensado e teatralizado. Tudo é absolutamente infantil. Segundo Vaknin, os narcisistas mais desenvolvidos, tem em média 9 anos de idade (são crianças aprisionadas em corpos de adultos), e não raro o abusador controla as redes sociais da vítima.
Por fim, raros são os casos em que abusadores, sejam eles narcisistas, psicopatas, narcisistas malignos (com forte traços de sociopatia e de desprezo pelo que não lhes pertence, tomando coisas que não são suas por direito, e que portanto possuem traços de personalidade antissocial como comorbidade) ou até mesmo as histriônicas (famosas influenciadoras possuem esse transtorno sem saber), não sejam também “infiéis incorrigíveis". Se você se relaciona com um homem ou mulher com essas personalidades, provavelmente será traído. É quase inevitável. Faz parte do transtorno, assim como as mentiras, as confabulações, o sofrimento, o isolamento e, acima de tudo, a perda de sua identidade e crenças, que são entregues aos abusadores.
E o que ocorre se você não se submete? Você é sumariamente punida/o. O medo faz parte do abuso. A vergonha faz parte do abuso. A ira faz parte do abuso.
Há saída. Há vida após o abuso. Estude, procure vídeos no Youtube, as ferramentas para entender o que acontece com você estão todas lá. Mas acima de tudo, entenda...você não tem culpa. Assim como o vampiro, o abusador não avisa que irá tomar seu sangue. Ele estrará pela porta da frente e você o convidará.
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