
A glorificação do “ter”
- HP Charles

- 21 de jul. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 25 de nov. de 2023
Desde pequenos somos bombardeados com propagandas nos dizendo que precisamos ter certas coisas para sermos aceitos, para pertecer a tal grupo ou sermos notados.
Isso eventualmente vai estabelecer padrões impossíveis de se conseguir, afetando diretamente nossa autoestima. Corpos perfeitos, casas perfeitas, carros perfeitos. A pressão é massiva e diária.
Esse é o recado difundido por uma sociedade decadente que entope os consultórios psquiátricos e consome toneladas de antidepressivos. Jovens tomando Viagra e adolescentes engolindo ansiolíticos como se fossem balas, se tornaram fatos comuns do dia a dia.
Como explicar isso se não por uma deteriorização de valores e valoração do ter sobre o ser? O bombardeio da propaganda sobre o quão importante é a ambição e a cobiça gera uma expectativa inalcançável, e na televisão, no Instagram, todos são felizes. Há um filtro para parecer assim. Para ficar mais bonito, para ficar mais magro, para parecer mais potente, mais viril, mais tudo.
Deixa eu contar um segredo. Isso tudo é mentira. Aquela influencer que você inveja solta gases pela manhã. Aquele bombadão chora no banho porque os esteróides que ingere comprometem suas ereções, aquela atriz está fodida porque vê a idade chegar e os trabalhos raream.
Todos nós carregamos uma bagagem gerada pelas vicissitudes da vida, com perdas e tragédias pessoais, e por mais que tentemos controlar isso, não é possível.
Muitas vezes vivemos em função do que os outros pensarão de nós e nos colocamos etiquetas, nos operamos, nos entupimos de Botox, de álcool, de relações vazias, quando a única resposta é o afeto genuíno e não aquela bolsa maravilhosa.
A armadiha é a seguinte, vivemos em busca de padrão e na medida em que o padrão sobe, você se compromete mais e mais com ele e não consigo mesmo. E então você se afasta de seus amigos, de seu parceiro, de sua família, e de tudo aquilo que deveria ser realmente importante para você, afinal de contas você tem um dono e nem sabe disso.
É evidente que ninguém é feliz sendo miserável, mas o foda é que conheço muitos ricos vivendo miseravelmente. Sim, podem pagar os médicos, podem ir ao shopping se iludir comprando mais um jeans, mas isso não resolve, e não resolve porque é apenas um pedaço de pano e não amor legítimo.
E assim vamos, empurrando os dias e acumulando coisas que não precisamos, porque eles disseram que precisávamos, misturando em nossas cabeças os conceitos de desejo e necessidade.
Acontece que quando as perdas e rompimentos de padrão ocorrem, a cortina do teatro é rasgada e você descobre que foi você que foi enganado. Que poderia ter passado mais tempo com seus pais, poderia ter dado mais beijos, mais afeto, mais carinho e também ter tido mais tempo para receber, tapando aquele enorme buraco no peito, onde você hoje guarda medo e preocupação. E aí você engole mais uma pílula, toma mais um gole, compra mais um sapato, e o círculo se fecha novamente.
Todos iremos para o mesmo lugar eventualmente, mas nos esquecemos disso e desperdiçamos a única moeda real que é o tempo. E com isso vamos acumulando rancor ao invés de perdão, ficamos calados perante injustiças, maculando nossa consciência, nos dedicamos às coisas triviais e mundanas, deixando de lado tudo o que tem valor benigno para o mundo. Nos tornamos menos humanos e mais coisa.
Alguns escapam. Vivem suas vidas melhor. Tem menos, são menos, extraem a felicidade de uma existência mais espartana porém mais realizada. Entenderam que o segredo é atender a si mesmo e não aos outros e que nenhum bem pode preencher aquele vazio que todos possuem dentro de si pois isso é condão exclusivo do AFETO.
"Você não é seu emprego,
não é o dinheiro que tem no banco,
não é o carro que dirige,
não é o que tem na carteira,
não é seu uniforme,
você é a merda do mundo que faz tudo para chamar a atenção".





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