A psicanálise em minha vida.
- HP Charles
- 20 de mar. de 2024
- 4 min de leitura
Aos 18 anos fiz a escolha pelo direito. E foi uma escolha equivocada. Não pelo que amealhei com a profissão, ou por alguma incapacidade profissional. Mas porque escolhi o dinheiro à revelia do coração. E então nunca me senti realizado profissionalmente.
Aos 30, devorado pela insatisfação profissional, por uma sensação de incompletude, comecei a fazer psicanálise em uma tentativa de lidar com essa questão. Ganhava no direito e gastava na terapia. Percebem a ironia? Usava o tratamento como uma bóia que me permitiria continuar a advogar, mesmo sabendo que em algum momento tal incompatibilidade se acentuaria e se tornaria insuportável.
A psicanálise então, surpreendentemente, me ajudou com outra questão. A questão do afeto e como eu passei a demonstrá-lo fisicamente. Até então era uma pessoa mais melancólica, mais reticente no que tange aos afagos físicos entregues a terceiros. E isso mudou na medida em que fazia terapia.
Passei a ser um filho que abraçava mais, um namorado que beijava mais, um ser humano capaz de entregar mais o afeto que sempre sentia dentro de mim mas que por vezes ficava contido ao verbo ou em atitudes que o demonstravam através da matéria. Mas o toque é fundamental. Ele une. E a psicanálise fez isso por mim. Não sei bem como e nem porquê.
O processo psicanalítico te desfralda, te despe, te proporciona autoconhecimento mas, acima de tudo, parece te redimir de alguma forma. Em que pese os que não acreditam nesse caminho, nos detratores, nos cientificistas, ninguém é detentor das verdades existenciais. Posso garantir que mesmo sendo uma constatação empírica, a terapia me socorreu.
Agora, em 2024, começo uma nova fase de minha vida cujo o objetivo é uma formação com o fito de clinicar. Começo os estudos já com alguma bagagem oriunda de muita leitura obtida por amor ao tema, com o fato de ter feito psicanálise por alguns anos, e também com o retorno à terapia. O curso direcionado e com plano de aplicação profissional me traz uma enorme alegria e alento imediato, vez que é algo de que sempre gostei. E então tudo fica mais fácil.
Em determinado momento de minha adolescência uma pessoa muito importante para mim me disse que deveria optar pelo dinheiro e assim o fiz. E ela errou. Ao contrário do entendimento mais vagabundo e popular, nunca fui feliz através dele. Acumulei coisas das quais nunca precisei e demorei muito a entender, até pelo ecossistema onde acabei por viver, que a matéria jamais nos satisfará. Pode nos trazer conforto e uma falsa ilusão de contentamento e segurança, mas que se desfará na primeira perda significativa em sua vida. Caixão não tem gaveta.
Em 2023 eu virei o leme e isso foi o maior presente que poderia ter sido me dado. Após a tempestade sempre vem a calmaria. Sempre tentei ajudar aos outros dentro de minha profissão, fosse fazendo audiências gratuitamente, fosse através de ações "pro bono" como tentativa de ajudar a quem precisava e não podia pagar, fosse como tentativa inconsciente de ajudar a mim mesmo. Esse é um fato pessoal que nunca havia revelado, porque qualquer movimento em direção à caridade deve ser anônimo, e se não o for, se torna propaganda.
Em algum tempo espero estar do outro lado do divã, ainda tentando ajudar os outros, atento às vicissitudes dessa sociedade moderna em suas exigências infinitas e que têm levado tantos ao desalento e a se perderem de si mesmos. A terapia real começa antes mesmo de entrarmos na sala do terapeuta, ela se inicia no desejo e no reconhecimento de que algo precisa ser mudado e trabalhado.
Muitos sabem que precisam fazer terapia, e mesmo possuindo condições, não a buscam porque não possuem a força ou a coragem para reconhecer isso. E então passarão suas vidas se anestesiando, convivendo simbioticamente com seus demônios internos ao invés de tentar vencê-los.
Sim, nossa infância nos relegou traumas e experiências que nos afetam em nossa idade adulta. Muitas vezes reagimos a esses traumas sem reconhecê-los, nos defendendo psiquicamente de forma atabalhoada para sobrevivermos ao cotidiano. Tratar a mente é absolutamente tão importante quanto tratar o corpo. Traumas complexos aderem e afetam nosso sistema nervoso, nos causando um número enorme de doenças "físicas" e "observáveis" que "milagrosamente" parecem sumir com a terapia.
Parece que a busca pela solução mais fácil e imediata se tornou comezinha em um mundo tão acelerado. A geração Rivotril não se deu conta de que os psicofarmacotrópicos tratam mas não curam. O que "cura" é falar. E as pessoas parecem cada vez mais mudas. Falar com o celular não conta.
A terapia sempre me ajudou e é importante ressaltar que o processo com o psicanalista um dia acaba, mas o processo com a psicanálise jamais termina. Porque a evolução é sempre contínua. Nesse sentido, a busca real é pela qualidade de vida, é pelo crescimento, e assim, pela felicidade. A real. Aquela que reside não no atendimento a desejos, mas no contentamento do que é necessário, humano e genuíno. E tal felicidade reside no afeto.
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