A virtude como moeda

Faz alguns anos que a exteriorização da virtude ou do que grupos específicos consideram virtude, se tornou uma moeda para aceitação e para se obter vantagens financeiras.

Assim pessoas passaram a exprimir opiniões gratuitas e não solicitadas com a finalidade exclusiva em atender a determinado grupo político. Isso rapidamente virou comércio. Logo o cinema, a música e a literatura entraram no barco e se instrumentalizaram para ajudar a pregação do conteúdo de determinado viés. O outro lado reagiu como pôde tornando a internet um campo de batalha feroz, obtuso e incrivelmente maçante.

As pessoas que não desejam participar da guerra ou apenas buscam viver suas vidas o melhor que podem face aos problemas triviais de suas existências, ou então não tem tempo para dedicar a uma improfícua luta para receber likes ou elogios, são as verdadeiras vítimas.

Faz algum tempo que cansei de ouvir sermões alucinados sobre o certo ou errado, sobre para que lado PRECISO ir - sim, se converta ou pereça - sobre ser um ser humano melhor dependendo do quão você se entregue a qualquer causa que "pareça" mais politicamente correta.

A propaganda aderiu, comprou a ideia e as grandes empresas viram aí a possibilidade de fazer uma grana em cima desse pessoal descolado que não perde tempo em bater no peito e dizer que o mundo precisa de mais empatia. Claro que tal empatia só deve ser entregue a quem ongrupo acha que merece.

O lado oposto também cria seus nichos de resistência e apoia qualquer figura que demonstre o mínimo de contraponto a nova "religião" que se constituiu. Sim, é exatamente uma religião. As orações são os discursos prontos e repetitivos, existem pecados punidos com cancelamentos e há prêmios de pertencimento para quem compra a narrativa e promessas de condenações quase eternas para quem diz o que não pode ser dito.

Intrigas, tretas, cobertas de acusações e xingamentos, são proferidas diariamente em uma infindável série de escaramuças virtuais que não resultam em absolutamente nada a não ser, talvez, algum engajamento - que o que realmente importa.

A opinião, é óbvio, PRECISA ser dada, caso contrário você automaticamente é classificado como um "ista" qualquer. E então você que busca resguardar ao máximo sua saúde mental, tenta se afastar em um movimento natural de preservação da própria vida, porque ela já é suficientemente dura sem contendas que em nada resultarão.

Em algum momento sua cabeça vai te pedir algum distanciamento dessa loucura que virou a internet por conta da política e da sinalização de virtude, vez que o custo é muito alto para quem só quer um pouco de paz.

No meu caso me vejo recorrendo a filmes, músicas e livros antigos, onde encontro a dedicação exclusiva ao conteúdo e não a pautas que trarão algum retorno financeiro seja por conta de mais facilidade de divulgação seja por algum interesse escuso qualquer.

É extremamente cansativo ouvir o pastor o tempo todo e alguns não se interessam por nada que não seja genuíno. A cultura está infectada pela propaganda política em um nível absurdo, fomentando o aparecimento de oportunistas e comerciantes de si mesmos, sempre dispostos a vender determinado discurso, solapando a verdade e o caráter.

A pergunta que fica é: para onde caminhará esse movimento? Em que momento haverá uma transformação da transformação dentro do mundo virtual? Minha opinião seria de que o fim dessa história - com o início de outra que não conhecemos - se dará pelo cansaço e pela autofagia. Grupos engolindo outros grupos e se destruindo mutuamente.

Os que conseguem se blindar e transitar de forma mais saudável nessa loucura que anda a vida online, sobreviverão. Para quem pode abandonar totalmente as redes sociais (conheço alguns que conseguiram a proeza), irá colher a própria sanidade como troféu.

O fato é que há um preço alto em vender seu caráter e sua opinião em troco de abrigo virtual, grana e um suposto pertencimento. Empatia não se compra, se conquista, e não há nada que substitua o afeto genuíno de um abraço físico. A real virtude será sempre ser você mesmo, com suas falhas e mazelas, todas elas amealhadas com cicatrizes oriundas da vida vivida e ao invés da segurança artificial criada em um teclado qualquer.