
Felicidade Tóxica
- HP Charles

- 27 de fev. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 15 de abr. de 2024
Essa semana me deparei com um artigo sobre uma possível condenação, nos EUA, de grandes empresas proprietárias de redes sociais por danos emocionais em jovens. Não faz muito tempo ouvi entrevista de Elon Musk onde ele abordava assunto similar e se referia a algo como uma espécie de "felicidade tóxica" que é vivida diariamente nas redes sociais.
Basicamente o que ocorre é que as pessoas estão todas fodidas mas se apresentam constantemente nas redes sociais como virtuosos seres de luz, cuja vida é perfeita. Outros assistem aquilo e imaginam como isso é possível, vez que as próprias vidas estão dilaceradas em sua luta por sobrevivência, conforto e alguma felicidade. E a resposta é absolutamente simples: porque é tudo mentira.
Sim, as pessoas não estão felizes no Instagram como demonstram seus stories. Não estão lindas como mostra aquela foto filtrada que evidentemente foi incapaz de capturar a noite mal dormida por conta da relação de merda que a pessoa tem vivido. Nas redes sociais você dificilmente encontrará posts de um prato feio, de uma quentinha qualquer. E jamais verá algum comentário a respeito de como aquele dia, que precedeu aquele jantar tão atraente, foi uma porcaria.
Felicidade não é nosso estado natural. É um sentimento temporário como qualquer outra emoção, mas as mídias sociais fazem um estupendo trabalho te convencendo do contrário. Então você assiste aqueles reels meticulosamente criados para gerar uma aura de perfeição e beleza e passa a acreditar que deveria estar feliz o tempo inteiro, e se não está, há algo errado com você. O que você faz então? Você abraça o hedonismo e a busca por prazer passa a ser a única coisa que te importa. E que surpresa, isso irá te trazer sérios problemas, porque em breve estará constantemente procurando por mais dopamina, por coisas idiotas e inverossímeis que te faça se sentir como naqueles malditos posts.
Entenderam agora ao que Musk se referiu? À projeção a que as pessoas estão sendo submetidas diariamente e que se torna uma meta impossível e destrutiva para a vida de qualquer um? Você começa a evitar e rejeitar os naturais momentos "baixos" da vida e de repente os momentos "altos" não mais são suficientes, e passa a viver uma vida emocionalmente desequilibrada porque suas experiências são limítrofes ou superficiais.
Se você fica repetindo para si mesmo que "só quer ser feliz", então terá uma vida miserável. Não, a infelicidade, assim como a felicidade, faz parte da condição humana, da existência. As perdas, as derrotas, as vicissitudes compõem o mundo que nos envolve. Mas você está sendo condicionado a acreditar que se sua vida não estiver próxima daquela que determinado influencer te mostra, então você está fazendo algo errado. Mas será que a vida daquela pseudo celebridade é aquilo mesmo? Claro que não.
O que aparece nas redes sociais é o que eles permitem que apareça, mas isso não é imediatamente assimilado, percebido, compreendido. Não é só você que está passando por momentos difíceis, aquele pessoal com milhares e milhares de inscritos também está. Também fica doente, também chora no banho, também perde cabelos por estresse, também dorme pessimamente. A luta é de todos, senhores.
Nesse diapasão, é claro que as pessoas estão adoecendo, principalmente os jovens, que ainda estão formando sua personalidade e que desejam, acima de tudo, "pertencer". O que vocês acham que esse arrasta para cima, para o lado, para baixo, incessante, faz com a sua cabeça? Você jamais conseguirá acompanhar, nunca será tão bonito, tão rico, tão feliz. E é óbvio, porque é impossível se comparar a miragens. Mas você é levado a isso. Diariamente.
Os pequenos prazeres e conquistas são sumariamente subestimados, os conceitos de moral são relativizados, o mundano e imediato precisa ser atendido invariavelmente como um novo Deus a ser glorificado. O seu narcisismo é elevado, a sua crença em merecimento é fomentada pelo individualismo mais vagabundo, e aqueles prêmios comezinhos a que você se dava, como comer um pastel, passam a fazer pouco sentido perto das ilusões que são introjetadas em sua mente a cada vez que você abre o seu IG. É claro que não vai dar certo.
Em breve você se sentirá compelido a fazer parte da tribo e alertar ao mundo o quão feliz você também é. Como está progredindo financeiramente, como o amor daquele mês é maravilhoso, como você MERECE ser sempre feliz. Mas na verdade você fica cada vez mais doente. Aquela dose de dopamina diária não é mais suficiente. E aí precisa dar um pulinho na "boca" para buscar mais um pouco da droga.
Abre seu celular, fica tentado a comprar mais coisas que você não precisa e nem quer, inveja um pouco aquela pele perfeita da menina que tem uma conta de maquiagem, se deprime com seu corpo porque viu aquele storie do bombadão cheio de anabolizante que tem a pressão nas nuvens e se injeta semanalmente com doses de química maligna a fim de tapar o enorme buraco que possui em sua alma. E você fica pensando porque sua vida não é como nesse filme. Amigos...é um filme de terror, não uma comédia romântica
Sim, o quadro é ridículo. E a gente se permite, né? Imagine como seria diferente se não permitissemos. Ao invés de programas sobre milionárias colocando implantes nas bochechas da bunda, poderíamos ter uma farta programação sobre discussões filosóficas importantes e tão necessárias hodiernamente. Mas não é isso que as pessoas querem, não é mesmo? Elas querem o BBB. E se você acha estranho o apego à mediocridade, te chamam de chato. Ok, então.
O fato é que cada vez mais se reconhece, pelos efeitos e consequências causadas, os abusos emocionais gerados pelas redes sociais e pela "felicidade tóxica" - vez que é inatingível e incessante - alardeada na internet. A destruição de identidades, a ânsia por validacão, a pressão por likes, é algo totalmente destrutivo e pernicioso.
A busca pelo bem, pelo conteúdo saudável, pelos encontros pródigos e produtivos ficou totalmente em segundo plano. Não é saudosismo, mas vocês lembram do início, quando tudo parecia mais promissor emocionalmente? Porque comercialmente e profissionalmente todo mundo sabia que seria revolucionário. Mas algum de vocês se lembra da inocência do "quer teclar", do Youtube legalzão, livre e LEVE? Havia uma faísca benigna, uma energia positiva, um mundo novo a ser descoberto. O resultado anos depois não parece nem de longe o que se esperava. Sim, tudo ficou maior, mais potente, mais profissional. Mas tire a venda de seus olhos e repare bem...está "melhor"? Sim, você é livre para relativizar o quanto quiser, mas as doenças da mente, geradas pela expectativa, pelas ilusões binárias, pelas farsas virtuais, são inegáveis.
Quanto mais abro a internet mais tenho vontade de trocar ideia com o Sebastião, meu porteiro e oráculo de uniforme. Sim, ainda dá para se conhecer pessoas fodas, pinçar amizades, nunca foi tão fácil se acessar conteúdo importante, cultura, música, cinema.
Mas então por que as pessoas insistem no programa dos milionários fazendo implante na bunda? É claro que os alienígenas não se interessariam por nossa sociedade, não é mesmo? "Olha lá aquele planetinha azul, o que será que estão fazendo? O que será que lhes é importante como civilização?"
Essa semana o programa será sobre implante nas panturrilhas. Não percam.





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