Flat Attachment e sua relação com o ghosting.

Sam Vacknin é um notório professor de psicólogia e escritor israelense e se tornou conhecido por diversos fatores. Entre eles o fato de ser um consciente narcisista borderline, diagnóstico que recebeu em 3 oportunidades. Mas o que nos interessa aqui é seu trabalho e sua cristalina genialidade.

Em sua vasta e pródiga carreira na psicologia e psicanálise, Sam Vaknin cunhou e desenvolveu praticamente tudo os termos e o que se sabe sobre o Transtorno de Personalidade Narcisista. Inclusive criou o termo que adiciona mais um tipo de “apego” aos 4 já conhecidos e usados na psicologia. Ele chamou esse distinto tipo de apego de “flat attachment”.

Segundo Vaknin, flat attchment seria um estilo de apego onde há a incapacidade desenvolvimento de laços reais de afeto ou relacionamento genuíno com outro. “A pessoa é apenas uma espécie de commodities e é tratada como um mero objeto que pode ser trocado”.

Essa espécie de “apego” seria comum entre psicopatas e narcisistas. Vaknin afirma que com o crescimento dos aplicativos de encontros e as pressões sociais, as pessoas têm se tornado mais atomizadas e isoladas, o que levaria ao aumento do “flat attachment”. Seria justo então afirmarmos o crescimento também do número de psicopatas e narcisistas? Me parece claro que sim. Há dados terríveis sobre isso.

Pessoas com esse tipo de apego enxergam as outras como se fossem todas iguais. Ao fim de uma relação as pessoas entram em um tipo de latência onde se enlutam pela morte simbólica do enlace. Os membros do casal então processam o luto experimentando a ausência e os sintomas causados por ela. Há um texto específico sobre luto nesse blog.

Quem possui flat attachment faz a transição de forma instantânea, abrupta e tranquila, do parceiro antigo para o novo parceiro desejado. A substituição é feita de forma completa e imediata. É como se o outrora e relevante parceiro/a fosse exatamente como um produto que teve a data de validade vencida. A objetificação da pessoa anterior fica clara em um processo que muitos chamariam de “inumano”. Como sabemos, psicopatas e narcisistas possuem exatamente esse tipo de característica.

Vaknin aduz que quando forjou os termos “desvalorização” e “descarte”, atualmente usados no ciclo de Transtorno de Personalidade Narcisista, deveria ter adicionado “reposição”, à lista de “idealização, desvalorização e descarte”.

“Apego possui relação direta com intimidade. Com intimidade passada e intimidade futura. Ela é criada no princípio da infância através da relação com os pais ou objetos primários e determinará a habilidade em se envolver intimamente, em criar e participar de relações íntimas”.

É como se pessoas com “flat attachment” desejassem apenas provar o menu, mas não quisessem realmente o prato principal. Haverá sempre uma sensação de distanciamento ou fleumatismo na convivência com tais pessoas, que evidentemente possuem pouca ou nenhuma empatia.

A pessoa que busca intimidade e a que desafia a intimidade serão profundamente infelizes e incompletas juntas, mas curiosamente se tornarão inexoravelmente atraídas e afogadas uma na outra. Flat attachers buscam intimidade mas a temem.

E como isso muito provavelmente se conecta com a figura do ghosting? Ora, em uma sociedade estéril, dominada pela tecnologia, aplicativos de encontros, enorme pressão social e cultural, com a desintegração da família e de comunidades, as pessoas se tornaram alienadas e isoladas. A intimidade se torna cada vez mais rara. O ghosting parece algo atraente colocadas tais questões em tela.

A partir do momento em que as pessoas se objetificam e são objetificadas, se há pouca ou nenhuma empatia, porque se dar ao trabalho ou sentir necessidade de experimentar o luto? As pessoas viraram algo como um celular, que ao quebrar, será imediatamente substituído. E esse é um sinal dos tempos consignado no covarde e atroz ghosting. O ghosting é a sedimentação de uma sociedade, então, cada vez mais indiferente, individualista, menos humana.

Não há preocupação em dar satisfação, em abrigar ou considerar história, memórias ou sentimentos. Basta deletar e bloquear. O atendimento é apenas a si mesmo. Se parece frio e psicopático, é porque é.

A cristalização do gosthing, de flat attachers, e por conseguinte da psicopatia e do narcisismo, leva a muitas outras consequências. Aumento significativo do isolamento social, insegurança, depressão e ansiedade. Nesse ambiente as conexões naufragam, e a solidão parece atingir mesmo quem possui parceiros. Ela passou a residir também dentro do cotidiano das relações. Nos namoros e casamentos. Juntos e ainda assim, sós.

Nesse cenário de incertezas jovens adoecem e cada vez mais optam por uma vida solipsista, onde são começo e fim. Idosos, por sua vez, são cada vez mais deixados de lado e se ressentem muitas vezes de um mundo que não mais existe. Há uma cratera gigantesca dentro das pessoas que evidentemente não aparece no Instagram.

“O lugar mais visitado do mundo é o fundo do poço, só que ninguém tira selfie quando está lá”. Esse semana me disseram essa frase que parece absolutamente pertinente. As causas do crescimento de flat attachers e da institucionalização do gosthing, precisam ser estudadas e enfrentadas. Há interesse e preocupação com isso? Não. “Ainda” não. Vamos descer mais ainda.

Os hábitos e tradições mudam velozmente, e em que pese a vida corrida nas ruas e cidades onde todos se encontram, cada vez mais as pessoas se tornam invisíveis e indiferentes umas às outras. O mundo se torna cada vez mais maniqueísta dividindo todos em bons ou maus, em úteis ou inúteis. Olhamos cada vez mais para dentro de nós à procura daquela centelha divina que nos faça encontrar sentido além do material, porque no fundo sabemos que tudo é temporário.

O aumento do flat attachment cresce porque é um estilo de apego que traduz exatamente a sociedade moderna. E isso deveria bastar para pensarmos que tipo de conexões a terra herdará. Que tipo de pessoa direcionará a humanidade, quem conduzirá a civilização? Humanos ou psicopatas e narcisistas? Há uma enorme diferença que está além da biologia mais trivial.

O resultado já está sendo sentido, não?