O real amor está nas falhas
- HP Charles
- 1 de mar. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 18 de jul. de 2024
Não importa a sua idade você já deve ter se imaginado em uma relação longa, duradoura, até perpétua, se é que isso é possível. Mas quais os critérios, quais as características ou qualidades que você procura nessa pessoa com quem supostamente dividiria seus dias?
O que a pessoa precisa ter? Como seria necessário que ela te fizesse se sentir? Beleza, grana, formigamento no estômago, inteligência? O que você acredita que seria importante para que uma pessoa te compelisse a investir na construção de algo relevante? É uma pergunta importante, não?
Pois a minha resposta sempre foi: um ser humano real. Não alguém que fosse um mistério, não alguém perfeito, não alguém onde eu tivesse dificuldade em encontrar falhas. Sendo assim, a opção pela escolha de um "ser humano" é escolher as falhas.
Se relacionar com idealizações, não funciona. Elas sempre acabam. Acredite. Sucesso, atratividade, dinheiro, não constituem os requisitos para uma relação de longa duração. E não constituem porque tudo isso não é capaz de gerar paz ou felicidade a longo termo. Então quando escolhermos nossa pessoa "falha" é importante que escolhamos alguém que nos garanta felicidade duradoura, mesmo que os naturais momentos de perda e infelicidade acometam nossa existência, vez que são inevitáveis.
E é justamente por isso que a fantasia de se encontrar a "pessoa perfeita", o "the one", sempre foi um truque e a única coisa que causou foi atrapalhar as relações. Não existe uma única pessoa que possa nos dar tudo. A vida não é um filme de Hollywood. Ninguém, por mais fenomenal que seja, será capaz de fornecer tudo o que você quer. Isso é uma armadilha. Um imã para frustração, desapontamento e desilução.
O que se deve imaginar e pesar é encontrar uma pessoa com quem você realmente pode dividir uma vida e uma história. E ela será de carne e osso. E a história que será escrita será repleta de altos e baixos. Mas dividir valores, interesses e a animação de estar em sua presença é que irá criar uma conexão estável e quiçá duradoura.
E assim uma história será escrita. Ela será mudada, editada, você tentará reescrever algo que não encaixa mais. Ainda assim esse livro nunca será perfeito pois todo casal terá "defeitos". A questão é: com quais defeitos você está disposto a lidar? Se você escolhe uma pessoa precisará lidar com determinados problemas, se escolher outra terá que lidar com outros.
Mas a falha sempre existirá. Se você estiver lidando com algo real, é claro. Se for muito perfeito é uma cilada, entenda isso. Uma farsa. Uma ilusão. Fuja!
Dessa forma, acredito que o amor é se afetuar justamente pelas falhas, é vislumbrar o pior que o outro possui e decidir transpor tudo junto. Caso contrário talvez nunca sequer tenha sido amor. Pode ter sido outra coisa, mas não amor.
Meus pais se conheceram na adolescência e foram até o final de suas vidas juntos. Sim, eram outros tempos, onde havia outra mentalidade, onde o maldito individualismo não era a filosofia que norteava a vida das pessoas, mas isso ocorreu, acima de tudo, por reconhecerem as falhas um do outro e escolherem por enfrentá-las. Talvez tais falhas fossem suportáveis, talvez necessárias, talvez eu mesmo não saiba a história completa da relação. Mas o fato da construção da história permanece.
Sim, é claro que fica a cada dia mais difícil se estabelecer algo real e genuíno na medida em que os valores, pretensões e prioridades mudaram tanto. A busca hoje reside na perfeição, no imediato, e portanto, na inumanidade. O trajeto parece precisar estar quase pronto quando há alguma conexão. E como as ambições, via de regra, são maiores e distintas do que o desejo de construir algo junto, as pessoas estão ficando mais sozinhas, até mesmo dentro das relações. Por isso está dando tão errado. Por isso os números são tão ruins.
É preciso se retomar o prazer pelo simples. As trocas precisam retornar a ser de afeto, prioritariamente. É preciso haver mais perdão, mais luta, mais elã. É preciso absorver a falha, se possível for, pois aí se cria a real intimidade. Sexo não é intimidade. A verdade é.
Todos nós somos definidos por algo e se admitirmos isso para nós mesmos, provavelmente seremos mais felizes. Todos nós somos prisioneiros de memórias, medos ou desapontamentos, mas ao assumir nossa finitude e humanidade, podemos aceitar melhor o outro e então construir algo que realmente vale a pena. É preciso haver lealdade, confiança e abrigo, pois o amor é como entregar o poder de te destruir a alguém e acreditar que tal pessoa nunca o usará.
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