
Um amor moreno.
- HP Charles

- 21 de fev. de 2024
- 2 min de leitura
Existem amores que não avisam. Eles te tomam. Te dilaceram. Eles chegam em uma imagem simples, mas jamais comum. E se comunicam com seus olhos. Te arrebatam e te fazem desejar boca, mãos e pés. E nada mais importa do que aquela imagem, gravada em sua retina no mármore de seus olhos.
E então esse desejo muda os seus sentidos e te faz imaginar o sabor daquele amor. O cheiro daquele corpo. E você o quer para si. Só para si. E a concupisciência é então misturada em corpo, alma e sotaque. E risos, e maneirismos e lubricidade.
E você precisa entrelacar seus dedos em dedos de unhas negras, que pela manhã arranharam a sua carne, e encostar a língua em uma boca que precisa ser sua. E de mais ninguém. E primeiro anseia a espera vez que é fértil, lânguida e ideal. E depois se agarra à voz, aos sons, aos gemidos, a qualquer pintura que te lembre aquele amor moreno.
O enxerga nas ruas, nas propagandas, na mesa ao lado, em miragens de comunhão rasgadas pela distância. Mas você sabe que ela está lá. Em algum lugar. E ela pensa em ti. E confessa que pensa em ti. E se torna mais mulher para você por tudo o que quer de ti. Teu toque. Teus beijos. Teu membro rijo, tuas mãos de homem em seus cabelos negros, que ora puxam, ora alisam os fios melânicos.
Mas como ela se feriu um dia, tem medo de que você seja o homem que ela mais do que quer, que seja o homem que precisa. Que seja o varão fundamental e que a tome. Que a enlace e domine. Que corrompa seus desejos e seus sentidos. Que a ame e a foda. Que a torne completa com um copo de vinho que escorra em seus lábios após o coito. Que enfim a faça se sentir segura como nunca se sentiu. Jamais na juventude, jamais na maturidade. Esse é o grande segredo desse amor moreno. Seu cálice sagrado.
A compulsão da entrega e o medo de ser enfim ser totalmente de alguém. O medo de se perder em si mesma, em sua incontinência e volúpia. O medo de ser completa quando nunca foi realmente.
E então isso nos afasta quando deveria nos aproximar. Me separa quando deveria me colocar dentro dela. Quero bejiar sua boca de carne e cuspe. E apertar seus seios contra meu peito cheio de afagos e carícias. E então, covarde, também temo. Porque não apenas possuo mas também sou possuído.
Existe um amor moreno para mim. E o contraste entre a distância e a proximidade nos faz enlouquecer e duvidar. Não do amor ou do desejo. Mas de nós mesmos em nossa coragem de entrega inconsútil e viril. E há uma enorme poesia nisso tudo. Que nem sempre os enormes olhos negros do amor moreno conseguem perceber. Que a única tragédia possível é não ter o amor vivido. E não ser gozado em seus pés, e em seu rosto, não rir em sua boca, e não viver em seus seios.
É não ter o amor moreno. Que deveria ser meu...e de mais ninguém.





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