
Vulnerabilidade e amor
- HP Charles

- 5 de mar. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 14 de jun. de 2024
O maior receio de qualquer um é se tornar vulnerável. Se tornar frágil. Diminuir suas defesas. E o amor impende isso. Sem se tornar vulnerável não é possível haver amor. Amar é dar uma arma carregada ao parceiro e esperar que ela não seja usada.
Nos dias atuais, a qualidade das relações afetivas tem caído muito. É cada vez mais difícil confiar em uma sociedade que faz tudo para promover a desconfiança. Em recente pesquisa foi apurado que apenas 6,5 homens em cada 1000 desejam se casar. O número mais baixo em 128 anos de história. Isso traduz, acima de tudo, dificuldade em confiar. E é compreensível.
Nos EUA já há um movimento no legislativo para o retorno do "divórcio com culpa". Ou seja, quando houver uma ação negativa de um dos parceiros que tenha ensejado o divórcio, aquele que deu azo ao pedido perderá direitos. Quando houver um adultério, por exemplo, tal pessoa perderá direito a bens.
Parece anacrônico? Mas não é. Casamento não é namorico. É projeto, é investimento, é contrato. Atualmente a pessoa se casa em um dia e no outro pode pedir o divórcio sem qualquer consequência. Como todas as leis e tribunais favorecem as mulheres, em geral trazendo enorme prejuízo patrimonial aos homens, ocorre o que está acontecendo. Retração. A política então se movimenta para reparar o que foi consagrado.
A cultura de encontros produzida com enorme viés feminista, é outro ponto relevante. As mulheres foram seduzidas pelo discurso do "forte e independente" e imediatamente passaram a vilanizar homens. O resultado não foi o esperado. O que foi criado realmente é solidão, ressentimento e afastamento. A idade não perdoa e costuma ser dura com as mulheres no "mercado dos encontros". Some a isso a distorção de valores e de papéis em uma relação e tudo fica automaticamente ampliado.
Dessa forma, se tornar vulnerável ficou cada vez mais difícil. Ao longo da vida as pessoas acumulam traumas, experiências negativas, desenvolvem problemas de estima e confiança. Isso gera dois pólos opostos. Pessoas muito carentes e pessoas que se tornam evitativas. Tendência cada vez maior no mundo moderno.
E tudo passa pela dicotomia entre o receio da solidão e o medo de se machucar. Com isso todos perdem. Menos os terapeutas, os vendedores de bebidas alcóolicas e os donos de pet shops, evidente.
Há uma enorme poesia em se vulnerabilizar, porque sem isso não há criação de intimidade, e sem intimidade não pode haver amor. Não um que seja genuíno ou positivo. Há sexo sem intimidade, mas jamais amor. Por isso psicopatas são incapazes de amar. Porque são incapazes de oferecer intimidade.
Um momento íntimo é percebido de forma quase metafísica. Há uma sensação imediata de algo verossímel e profundo. Pode até vir no sexo, mas pode vir em coisas simples como um banho juntos ou um segurar de mãos. É algo que se sente mais do que se explica. Algo que ultrapassa distâncias e cria uma conexão significativa. E em última instância, amor.
Sim, o amor está em compartilhar pequenas coisas do cotidiano e não em flertes e declarações. O amor está na verdade, assim como a intimidade. Ao nos vulnerabilizarmos abrimos espaço a esse tipo tão especial e cada vez mais raro de afeto.
O que está acontecendo na sociedade atual com suas redes sociais e com a cultura e facilidade criada com a internet, é que as relações se tornaram quantitativas mas não qualitativas. E isso é natural no ser humano. Quando ele não encontra qualidade se resolve com quantidade. Quando você não encontra "uma pessoa", se entrega a várias.
Essa velocidade do mundo atual não favorece a intimidade e o amor, porque tais sentimentos precisam de tempo. Precisam ser construídos. Experiências precisam ocorrer para se criar um vínculo de afeto real. Atração não é amor. É química. E acreditem, quando se age baseado na química, quando você perde a cabeça e joga pela janela seus padrões e valores, você será jogado em uma tempestade sem precedentes de carências, inseguranças e auto negligência.
A questão fundamental é que não há alternativa. Parece que há, mas não há. Se você quer amar, quer construir algo REAL, algo significativo, será preciso se vulnerabilizar. Essa fragilização é que permite a intimidade. E como também permite o sofrer, muitos abdicam, muitos renunciam à própria possibilidade de felicidade. Mas o binômio correto é: certeza do sofrer ou possibilidade do prazer.
Há um risco em cada ação, mas o maior risco sempre será não agir. Pode ser romantismo puro mas a alternativa não parece ser sempre pior? O arrependimento por não ter vivido não é o pior dos cenários? Isso não é se traduz em irresponsabilidade, não é isso. A questão é relativa à nossa existência e nossa finitude.
A vida para ser completa deverá conter todo o tipo de experiência, inclusive as negativas. Literalmente nada se aprende com o sucesso e tudo com as derrotas. Sempre escolherei me vulnerabilizar mesmo sabendo que posso ser machucado, que pode doer, que pode quebrar. E com a idade tais receios ficam ainda maiores. Mas...e a alternativa? A escolha será sempre nossa e exige cuidados, mas também exige coragem. Assim é a vida, e a decisão, em última instância, é entre viver ou não viver.





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